Estou mais à vontade quando descrevo a sensação de recordar se me der aos projectos contemporâneos da minha idade. E, se bem que hoje mais vivos em mim, os Três Tristes Tigres merecem sem qualquer dúvida que eu levantasse ao de cima este seu disco.
Notas históricas. O fim do século vinte foi marcado pelas décadas da evolução da música - como a conhecemos actualmente - e os anos noventa são os meus eleitos. Se há coisa que aprecie é o tal movimento alternativo de que falei quando abri o blogue; pode parecer estranho: mas eu e o Café não nos marcamos tanto com uma lendária banda desses rock's dos 80, mas sim pelas alternativas dos 90. Vê-se agora um vídeo ou um programa e deliramos até com as vestes; era a época pindérica, talvez; uma época de gente sábia - de gente que já sabia o que era a droga e se drogava e se matava. Época de suicídios e de ídolos. Ídolos. Em Portugal, a população vivia ainda e como sempre do vinho, dos bigodes e do futebol e do início das novelas em formato mais comercial. Mas também da música alternativa na sua forma mais pura (o próprio rap), nos arredores do que estava a dar: o pimba. Era tudo bem vindo nos subúrbios; afinal os músicos ainda eram artistas - e isso nem sempre foi bem visto ao longo das décadas. Os produtores musicais tinham igualmente quem venerar e ajudavam a tornar mais alternativas as bandas do que eram, se bem que não estou bem a ligar essa última afirmação com a análise em causa. No entanto, esta introdução foi útil, porque descreve tão bem algumas razões do "Guia Espiritual".
Vergonha ou não, é o único disco dos Três Tristes Tigres que conheço, para além do famoso Mundo a Meus Pés. Não estou mal servido, não senhor. A música alternativa deste "Guia Espiritual" fê-lo um verdadeiro guia espiritual. Aquele tipo de discos que nos põe a pensar, durante uma audição que nos pode deitar ao adormecer ou acordar ao levantar, não pelas palavras, não por um som obrigatoriamente melódico (e neste caso é), mas pela sua natureza, feita de momentos naturais e/ou artificiais. E as letras à altura, numa voz que tão afinada e bonita soa, de uma mulher chamada Ana Deus num dueto (de palavras, não de vozes) de composições líricas com Regina Guimarães. Os Três Tristes Tigres contam ainda com o guitarrista de sucesso Alexandre Soares, em tempos pertencente aos GNR (co-fundador), encontra-se recentemente em parceria com Jorge Coelho num projecto de duo experimental.
Este segundo disco veio no ano de 96, após as "Partes Sensíveis" de 93. A entrada, que segundo o meu julgamento e observação se relaciona com o consumismo, apesar de não o dizer literalmente, é um tema instrumental - a tal alternativa - com misturas de outros sons como palavras repetidas em inglês, de seis minutos e tal, "Xmas". A peça, a música conta com muitas outras passagens, já que na altura tinha de valer a pena a compra de um disco e eram mais aceitáveis as durações dos mesmos, daí que tenha uma hora e não meia. "Ruído Rosa" prossegue, contando com uma presença mais viva de Ana Deus, mas segundo os mesmos aspectos da primeira faixa. Vêm agora os temas da guitarra acústica/eléctrica e das palavras e da voz, acompanhados ou não de percussão de bateria. Muito bons e bem escritos. Há emoção calma propriamente dita nos temas mais citadinos das paisagens casuais, os meus preferidos: "Olho da Rua", "Noites Brancas" ou "Colchão d'Água". Há também aqueles das lições e das críticas sociais (que tão bem sabem fazer os músicos desta época) em jeito métrico e de single (não liguemos o sentido da palavra à designação de música comercial), destacando-se "Zap Canal", "Missão Impossível" (actualmente no radio.blog do Café) ou "Anormal" e mais tarde "Guia Espiritual", a última música. Em francês temos "Luna Motel".
Não sei se sei dizer mais. Excelente, sei lá! Anos de ouro vivia a musicalidade, na minha opinião e gosto. Tanta alternativa existia ao pimba e tanto se queixava e ria a população erudita desse motim. É isso de que gosto: poucos e mais fracos meios de publicidade que hoje (ainda que pareça que foi ontem e são dez anos), destacando-se portanto a qualidade.


"Guia Espiritual"

Entre melhores ou piores grupos e álbuns, este grupo e este disco, hoje analisado, merece nota máxima e a minha apreciação... Material cultural de Portugal.


:Três Tristes Tigres - "Guia Espiritual" (EMI 1996)


1. "Xmas"
2. "Ruído Rosa"
3. "Zap Canal"
4. "Kainever"
5. "Olho da Rua"
6. "Luna Motel"
7. "Noites Brancas"
8. "Missão Impossível"
9. "Anormal"
10. "Kindergarten"
11. "Colchão D'Água"
12. "Guia Espiritual"


"Partes Sensíveis" (EMI 1993)
"Guia Espiritual" (EMI 1996)
"Comum" (EMI 1998)
"Visita de Estudo" (EMI 2001)

Pop Rock Alternativo
http://members.tripod.com/~trestristestigres/