SE TE PERGUNTAREM QUAL O nome da banda pop mais portuguesa de Portugal, o que é que respondes? Terás tu cultura que baste!? Felizmente, a tua cor de pele não se avermelhará porque a resposta é fácil. E, felizmente, porque o próprio apoio do Ministério da Cultura faz com que A Naifa não seja só uma maneira que o teu avô usa para chamar a sua querida e gasta navalha.
A NAIFA É OUTRA MANEIRA de tocar o fado. Sim, o caminho seria mais seguro - quem sabe -, se Maria Antónia Mendes (a voz do grupo, que é de momento um trio) rebuscasse um pouco as gavetas de uma história como a Nossa, e encontrasse as palavras mais célebres; de maior tiragem, e as cantasse, para os lados da Mouraria. Mas mais monótono também. «E esqueces essa canção que já não passa na rádio», reza, coincidência ou não, o poema de João Miguel Queirós, um dos nomes da recolha que A Naifa resolveu fazer. Chama-se esse "Monotone" e é ao que parece aquele tema a que se pode caracterizar a função de apresentação do disco. Comercialmente, como é óbvio. Porque cada canção d'A Naifa é um bom motivo para nos deixarmos levar pelo leito de uma natureza emocional, esse que nos transporta para um Portugal de outrora, mas moderno. Como assim? Não o asseguro com cem por cento de certezas, mas cada texto que decidiram interpretar remete-nos a uma escrita deveras contemporânea. Ou então é só a 'ideia que incita contrastes' de os ouvirmos ser cantados, ou melhor: tocados; numa versão cuja sonoridade fadista nunca lembraria os autores. Sim, tocados, se falei de pop é porque tinha motivo para o fazer. O conjunto das onze músicas que estes "3 Minutos Antes de a Maré Encher" possuem (na verdade tem mais quarenta a contar com o tempo extra da espera pelos bónus aquando da faixa 11: "Porque Me Traíste Tanto", cuja letra é da autoria de Adília Lopes) e anteriormente as que constituíram "Canções Subterrâneas", distinguem-se daquilo a que qualquer pessoa chama livremente de 'fado'. Esquecem-se pois que no fado não existe percussão, e que as vozes se dobram em conversas do povo em tons de sobe e desce - tantas vezes gritadas (e isso está longe de ser um mal - afinal estamos a discutir sobre o género musical português). Estas não. Há uma batida, de participação convidada, imagino, por ter ficado a saber que neste álbum A Naifa é composta apenas por três elementos [como aliás referi atrás, no início do parágrafo (com o termo 'trio')]. Há um baixo eléctrico para além da guitarra portuguesa, que tão bem simboliza um país. Canções que não nos fazem lembrar apenas o campo, mas igualmente uma cidade - são determinantemente citadinas -; e que exalam uma fragrância tão suave e gostosa ao olfacto e ao paladar, pelo andar da noite. Não só das estrelas, mas sim dos candeeiros, das pressas, das más vidas, das pessoas que seguem uma rotina. Tem de haver também um rio. Onde possam existir reflexos de caras ou de luzes. E claro, a voz da senhora que referi, a que encarna as palavras dos ilustres, que prefere nem sempre suscitar a opinião de que é uma fadista, sussurrando e murmurando de forma carinhosa de vez em quando. Fadista também é, não se fique a achar que penso o contrário, mas é o que se comprova mais para o final do disco, em que a própria inclusão de elementos modernos deixa de ser tão substancial.
«DISSE-LHE QUE EM PORTUGAL HAVIA muitos comunistas, mas o que ele [marinheiro dum barco soviético] queria saber era onde havia señoritas». Terá Tiago Gomes (quem escreveu) imaginado (e pergunto-o retoricamente pois não sei se por algum motivo houve algum texto 'encomendado') que músicos como João Aguardela, oriundo de projectos com boa idade como os Sitiados ou Megafone; Luís Varatojo, ex-Peste e Sida e ex-Linha da Frente na guitarra em muito influenciado por Carlos Paredes, ou a Mitó poderiam recriar o seus engraçados versos de forma tão apetitosa no que toca a uma dança (ou «abanar o capacete»)!?
CÁ PARA MIM, DO QUE gostei mais, tal como se escreve nas composições da escola primária, foi da entrada. O passar do "Um" para a melodiosa "Da Uma da Noite Às Oito da Manhã", o tema que realmente me guiou a uma imagem extra-sonora da forma mais agradável que se podia esperar - um sentimento que atinge o ouvinte; é fabuloso. No entanto, todo o disco o consegue de uma maneira ou outra. Repetindo aqueles que já referi e adicionando-lhes os que faltam, termino a minha solene ou singela crítica com a enumeração dos autores que elaboraram os textos da preferência d'A Naifa para este "3 Minutos Antes de a Maré Encher": Nuno Moura; João Miguel Queirós; Nuno Marques; Rui Lage; José Luís Peixoto; Tiago Gomes; Pedro Sena-Limo; Ana Paula Inácio e Adília Lopes.
CONCLUINDO, PODE DIZER-SE QUE UM ano com um lançamento desta Naifa é um ano bastante mais português.



Não é só uma excelente compra (e não vamos agora discutir preços) como é uma obra que precisa de ser comprada. Por todas as famílias portuguesas era muito engraçado, como antigamente.


:A Naifa - "3 Minutos Antes de a Maré Encher" (Zona Música 2006)


1. "Um"
2. "Da Uma da Noite Às Oito da Manhã"
3. "Monotone"
4. "Fé"
5. "AnTena"
6. "Quando Os Nossos Corpos Se Separaram"
7. "Todo o Amor do Mundo Não Foi Suficiente"
8. "Señoritas"
9. "A Verdade Apanha-se Com Enganos"
10. "Calças Vermelhas"
11. "Porque Me Traíste Tanto"

A partir daqui, podem não só ouvir excertos de todas as músicas até agora editadas d'A Naifa, como ler os poemas que lhe deram alma.
Entre muitas fotografias e pequenos escritos de consideração/agradecimento, vale a pena consultar o blogue.

Fado / Pop
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